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terça-feira, 1 de março de 2011

Entrevista a Alexandrina Guerreiro, a propósito dos 23 anos da TSF



Alexandrina Guerreiro entrou na TSF no ano em que a estação foi legalizada (1989) e numa altura em que os sonoplastas eram "malabaristas" com destreza física. Actualmente é coordenadora da pós-produção áudio, um departamento que só ganhou autonomia em 1992 e que introduz os ouvintes em viagens de emoções. Em entrevista a propósito do 23.º aniversário da TSF, Alexandrina Guerreiro, que é também formadora no Cenjor e na ETIC, explica ainda como se fazem coreografias na rádio e recorda "A Mosca".


Como é que nascem as músicas da TSF, como as aberturas dos noticiários?

A abertura do noticiário é anterior à minha entrada na TSF, foi escolhida pelo Emídio Rangel [fundador da TSF] e pelos técnicos na altura. O que fizemos foi, ao longo de 20 anos, tentar manter, estilizando, aquela sonoridade que ainda hoje temos no ar. Quanto às músicas que servem de base aos jingles(mensagem publicitária musicada) da TSF, no início, e tendo em conta que éramos uma rádio pequenina e local, trabalhávamos muito com música nossa. Eu e colegas meus íamos a uma discoteca muito pequenina no Bairro Alto que tinha coisas alternativas, entenda-se música comercial porque na altura não se falava em música de colecção para sonoplastia. Escolhíamos coisas muito out, que supostamente ninguém ouvia, e trabalhávamos com bandas sonoras de filmes, tirando pedaços daquilo. Naquela altura, a sonoplastia (comunicação através do som) era bem mais complicada.

Se a rádio fosse uma peça de teatro, o sonoplasta seria o narrador ou o cenografista?

Narrador não, mas talvez o coreógrafo.

Porquê?

Porque, na maior parte das vezes, quando o trabalho do sonoplasta é bem feito consegue uma harmonia muito equilibrada entre o narrador - o jornalista ou a própria informação - e a estética, para que esta seja o mais cuidada possível e não crie ruído a quem está a ouvir.


Alexandrina Guerreiro a trabalhar sons


Numa sociedade em que o "o ver para crer" assume tanta importância, torna-se um desafio construir uma imagem através de sons?

Sim, diria que a rádio é o órgão de comunicação social mais difícil.

Porque exige imaginação?

Sim, também, e porque temos que recriar situações, não só no lado da informação. O repórter de televisão não precisa de ser muito descritivo, porque tem a imagem como suporte, enquanto o repórter de rádio é os olhos do ouvinte. Do lado da sonoplastia, recriar ambientes em rádio às vezes é muito complicado. A ideia é transportarmos as pessoas para o ambiente que nós lhe queremos dar, seja de tristeza, de optimismo, de paixão. Essas emoções são transmitidas não só pela escolha da música, mas também pelos próprios ambientes que conseguimos recriar, tendo em conta o assunto que estamos a tratar naturalmente.

Há quem diga que o recurso a sonorizações ou efeitos especiais pode ser perigoso em jornalismo. Como é que se posiciona entre a objectividade e a criatividade para atrair os ouvintes?

Na TSF, fazemos uma espécie de barreira. O sonoplasta só entra fora dos noticiários, ou seja, na estética toda da antena e nas reportagens. Acho que não corremos grandes riscos. Mas a pergunta é pertinente. Hoje em dia é muito fácil manipular a emoção de quem nos está a ouvir com a quantidade degadgets que temos ao alcance. Nós aqui ainda trabalhamos de uma forma muito purista. Utilizando uma máxima que surgiu com a Internet, "o menos é mais". Temos balizas muito rígidas na TSF, na escolha musical para os jingles, indicativos de estação e spots promocionais da própria rádio, por exemplo. Tem a ver sobretudo com a filosofia da estação e com o facto de trabalharmos informação.

É necessário então mais objectividade e menos criatividade?

Se calhar a criatividade aqui torna-se ainda mais complicada e exigente, porque estamos condicionados. Temos de ser criativos, mas com barreiras e isso nem sempre é fácil.

Software de trabalho dos sonoplastas da TSF


Lembra-se de algum jingle da TSF que se tenha destacado pela positiva ou pela negativa?

Recordo. Estive fora dois anos e quando regressei, em 2001, vinha cheia de "pica", como se diz na gíria, e fiz um jingle que ainda hoje é muito falado, "A Mosca". Peguei numa série de piadas de políticos na Assembleia da República e montei uma espécie de história. Foi arriscado, tendo em conta que a informação nem sempre nos permite grandes truques. Foi, de uma forma positiva, mostrar que a malta na Assembleia da República se diverte (risos). O jingle teve um feedback imenso e, no fundo, marcou o meu regresso.

Acaba por assimilar o mundo sobretudo através dos sons, à semelhança do que acontece aos realizadores que não conseguem ver filmes sem se colocarem atrás das câmaras?

Sim, constantemente. Até ouço a música comercial de forma diferente. Penso coisas tão parvas como "isto podia levar aqui um corte (risos), porque a introdução é enorme e chateia". Já me aconteceu imensas vezes ir de férias para uma zona com sons fantásticos e pensar durante o tempo todo: "bolas, podia ter trazido o gravador".

É uma pessoa mais rica por reparar com mais atenção nos sons à sua volta?

Claro, antes não tinha sequer qualquer predisposição para isso. Não é ser mais rica, às vezes acaba por ser mais um defeito profissional, que é não conseguir ouvir as coisas da forma como as outras pessoas ouvem. Acho que isso acontece com toda a gente ligada à comunicação.


Alexandrina Guerreiro durante a entrevista


Porque é que se fala em livraria de sons e não em discografia?

É um estrangeirismo (library). Na gíria adaptámos essa palavra para falar da música de colecção.

Pode resumir as evoluções tecnológicas que se registaram na pós-produção desde que entrou no meio?

Foram brutais. Não diria que as gerações mais novas têm a vida facilitada, mas é diferente. Hoje [na era digital, que substituiu a analógica], posso colocar num software a quantidade de sons que me apetecer e fazer uma montagem com 20 sons ao mesmo tempo. Antigamente não, trabalhávamos com bobinas, muitíssimo condicionadas em termos técnicos. Há ainda outra grande diferença. Antes era preciso ter destreza física e mental para trabalhar, porque não era fácil.

Por causa do peso do equipamento?

Os equipamentos eram máquinas grandes. Imagine que está a gravar numdeck de cassetes e tem três bobinas a rodar ao mesmo tempo, todas elas a debitar som, e ainda uma mesa de mistura onde passa tudo aquilo. Era preciso uma concentração brutal e repetia-se imensas vezes. Hoje em dia o céu é o limite e um bom sonoplasta é definido pela capacidade de criação. Antigamente, alguém que tivesse uma boa destreza física e fizesse uns malabarismos (risos) com as bobinas era um tipo interessante para trabalhar na rádio, ainda que a parte áudio também contasse.


Computador ao lado de gravador de bobinas


No futuro poderá o jornalista fazer a pós-produção áudio ou o sucesso da rádio estará muito dependente deste departamento criativo?

Há alguns jornalistas que têm jeito e vontade de trabalhar na pós-produção. A rádio divide-se em duas grandes áreas: a sonoplastia e a edição pura e dura. O repórter capta um som e tem capacidade para editá-lo e disponibilizá-lo. Já a sonoplastia implica tempo, porque quanto mais pequeno e apurado é o trabalho mais tempo demoramos com ele. Além disso, não é por ter a idade que tenho, mas considero que a sonoplastia ganha muito com a experiência que vamos adquirindo ao longo dos anos, porque depois temos soluções na manga. O futuro é especializar pessoas nesta área. Já na edição, o futuro é o jornalista sair para a rua e fazer quase tudo.

Fonte: tsf
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